QUEM SOMOS

CAVALEIROS - alusão aos Templários, às Cruzadas e à Távola Redonda. HERMON - o termo remete-nos ao Monte Hermon, em cujo topo se forma a neblina que se condensa em forma de garoa, o orvalho consagrado pelo Salmo 133. Essa precipitação "tolda parcialmente o sol escaldante do sul do Líbano, e umedece seu solo, transformando-o numa das regiões mais férteis e amenas do Oriente Médio."

Nós Cavaleiros do Hermon, na constante busca para tornar feliz a humanidade, sob a égide do Grande Arquiteto do Universo, que é Deus, nos reunimos às sextas-feiras a partir das 20h00 , na Avenida Pompéia, 1402 - Templo Ir.'. Willian Bucheb - São Paulo - SP.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

SOMOS ESCRAVOS? CONHECEMOS ESCRAVOS?


Textos selecionados para reflexão extraídos de:

www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/textoslivrosnietzsche.html‎

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ESCRAVIDÃO MORAL
Moral é a parte da cultura relacionada aos deveres do homem para consigo e para com a sociedade.
A escravidão moral se caracteriza pelo tolhimento da vontade em decorrência da moral dominante.
Muitas vezes o indivíduo não se sente feliz em agir de acordo com a moral dominante, mas a sociedade o induz/coage a agir a assim e ele o faz por diferentes motivos: por necessidade de aceitação, por medo de se arrepender, por vergonha de ter um comportamento diferente do padrão, por resignação (sempre foi assim ou a vida é assim), por comodidade (não ter problemas) ou por simplesmente ignorar uma alternativa melhor.
A escravidão moral, por ser de alcance generalizado, pode levar a um estado de insatisfação coletivo e, portanto, é preciso que a moral dominante evolua constantemente na busca de princípios que possibilitem à sociedade ser feliz. Entretanto, esta evolução da moral só ocorrerá se houver indivíduos que, na busca da própria felicidade, a questionem e proponham novos paradigmas.

TEXTOS DE NIETZSCHE

(Trechos dos livros: "Para além do bem e do mal", "O crepúsculo dos ídolos",

"A gaia ciência", "O anti-Cristo", "Humano, demasiado humano")

Moral nobre e moral escrava - Aqui, Nietzsche traça, com seu estilo direto e irreverente, as características que demarcam os dois tipos de vida, representados pelas duas morais: a nobre (ou dos senhores) e a escrava.
"Numa perambulação pelas muitas morais, as mais finas e as mais grosseiras, que até agora dominaram e continuam dominando na terra, encontrei certos traços que regularmente retornam juntos e ligados entre si: até que finalmente se revelaram dois tipos básicos, e uma diferença fundamental sobressaiu. Há uma moral dos senhores e uma moral de escravos; acrescento de imediato que em todas as culturas superiores e mais misturadas aparecem também tentativas de mediação entre as duas morais, e, com ainda maior freqüência, confusão das mesmas e incompreensão mútua, por vezes inclusive dura coexistência até mesmo num homem, no interior de uma só alma.
As diferenciações morais de valor se originaram ou dentro de uma espécie dominante, que se tornou agradavelmente cônscia da sua diferença em relação à dominada, ou entre os dominados, os escravos e dependentes de qualquer grau. No primeiro caso, quando os dominantes determinam o conceito de "bom", são os estados de alma elevados e orgulhosos que são considerados distintivos e determinantes da hierarquia. O homem nobre afasta de si os seres nos quais se exprime o contrário desses estados de elevação e orgulho: ele os despreza. Note-se que, nessa primeira espécie de moral, a oposição "bom" e "ruim" significa tanto quanto "nobre" e "desprezível"; a oposição "bom" e "mau" tem outra origem.
Despreza-se o covarde, o medroso, o mesquinho, o que pensa na estreita utilidade; assim como o desconfiado, com seu olhar obstruído, o que rebaixa a si mesmo, a espécie canina de homem, que se deixa maltratar, o adulador que mendiga, e, sobretudo, o mentiroso - é crença básica de todos os aristocratas que o povo comum é mentiroso. "Nós , verdadeiros" - assim se denominavam os nobres da Grécia antiga.
É óbvio que as designações morais de valor, em toda parte, foram aplicadas primeiro a homens, e somente depois, de forma derivada, a ações: por isso é um grande equívoco, quando historiadores da moral partem de questões como "por que foi louvada a ação compassiva?". O homem de espécie nobre se sente como aquele que determina valores, ele não tem necessidade de ser abonado, ele julga: "o que me é prejudicial é prejudicial em si", sabe-se como o único que empresta honra às coisas, que cria valores. Tudo o que conhece de si, ele honra: uma semelhante moral é glorificação de si.
Em primeiro plano está a sensação de plenitude, de poder que quer elevada, a consciência de uma riqueza que gostaria de ceder e presentear - também o homem nobre ajuda o infeliz, mas não ou quase não por compaixão, antes por um ímpeto gerado pela abundância de poder.
O homem nobre honra em si o poderoso, e o que tem poder sobre si mesmo, que entende de falar e calar, que com prazer exerce rigor e dureza consigo e venera tudo que seja rigoroso e duro.
"Um coração duro me colocou Wotan no peito", diz uma velha saga escandinava: uma justa expressão poética da alma de um orgulhoso viking. Uma tal espécie de homem se orgulha justamente de não ser feito para a compaixão: daí o herói da saga acrescentar, em tom de aviso, que "quem quando jovem não tem o coração duro, jamais o terá". Os nobres e bravos que assim pensam estão longe da moral que vê o sinal distintivo do que é moral na compaixão, na ação altruísta ou no desintéressement [desinteresse]; a fé em si mesmo, o orgulho de si mesmo, uma radical hostilidade e ironia face à "abnegação" pertencem tão claramente à moral nobre quanto um leve desprezo e cuidado ante as simpatias e o "coração quente".
São os poderosos que entendem de venerar, esta é sua arte, o reino de sua invenção. A profunda reverência pela idade e pela origem - todo o direito se baseia nessa dupla reverência -, a fé e o preconceito em favor dos ancestrais e contra os vindouros são algo típico da moral dos poderosos; e quando, inversamente, os homens das "idéias modernas" crêem quase instintivamente no progresso" e no "porvir", e cada vez mais carecem do respeito pela idade, já se acusa em tudo isso a origem não-nobre dessas "idéias"
O que faz uma moral dos dominantes parecer mais estranha e penosa para o gosto atual, no entanto, é o rigor do seu princípio básico de que apenas frente aos iguais existem deveres; de que frente aos seres de categoria inferior, a tudo estranho-alheio, pode-se agir ao bel-prazer ou como quiser o coração", e em todo caso "além do bem e do mal": aqui pode entrar a compaixão, e coisas do gênero. A capacidade e o dever da longa gratidão e da longa vingança - as duas somente com os iguais -, a finura na retribuição, o refinamento no conceito de amizade, de uma certa necessidade de ter inimigos (como canais de escoamento, por assim dizer, para os afetos de inveja, agressividade, petulância - no fundo, para poder ser bem amigo): todas essas são características da moral nobre, que, como foi indicado, não é a moral das "idéias modernas", sendo hoje difícil percebê-la, portanto, e também desenterrá-la e descobri-la.
É diferente com o segundo tipo de moral, a moral dos escravos. Supondo que os violentados, oprimidos, prisioneiros, sofredores, inseguros e cansados de si moralizem: o que terão em comum suas valorações morais? Provavelmente uma suspeita pessimista face a toda a situação do homem achará expressão, talvez uma condenação do homem e da sua situação. O olhar do escravo não é favorável às virtudes do poderoso: é cético e desconfiado, tem finura na desconfiança frente a tudo "bom" que é honrado por ele gostaria de convencer-se de que nele a própria felicidade não é genuína.
Inversamente, as propriedades que servem para aliviar a existência dos que sofrem são postas em relevo e inundadas de luz: a compaixão, a mão solícita e afável, o coração cálido, a paciência, a diligência, a humildade, a amabilidade recebem todas as honras - pois são as propriedades mais úteis no caso, e praticamente todos os únicos meios de suportar a pressão da existência.
A moral dos escravos é essencialmente uma moral de utilidade. Aqui está o foco de origem da famosa oposição "bom" e "mau" - no que é mau se sente poder e periculosidade, uma certa terribilidade, sutileza e força que não permite o desprezo. Logo segundo a moral dos escravos o "mau" inspira medo; segundo a moral dos senhores e precisamente o "bom" que desperta e quer despertar medo, enquanto o homem "ruim" é sentido como desprezível. A opressão chega ao auge quando, de modo conseqüente à moral dos escravos, um leve aro de menosprezo envolve também o "bom" dessa moral - ele pode ser ligeiro e benévolo porque em todo caso o bom tem de ser, no modo de pensar escravo, um homem inofensivo: é de boa índole, fácil de enganar, talvez um pouco estúpido, ou seja, un bonhomme [um bom homem]. Onde quer que a moral dos escravos se torne preponderante, a linguagem tende a aproximar as palavras "bom" e "estúpido".
Uma última diferença básica: o anseio de liberdade, o instinto para a felicidade e as sutilezas do sentimento de liberdade pertencem tão necessariamente à moral e moralidade escrava quanto a arte e entusiasmo da veneração, da dedicação, sintoma regular do modo aristocrático de pensamento e valoração.
Com isso, pode-se compreender por que o amor-paixão - nossa especialidade européia - deve absolutamente ter uma procedência nobre: é notório que ele foi invenção dos cavaleiros-poetas provençais, aqueles magníficos, inventivos homens do gai saber [gaia ciência], aos quais a Europa tanto deve, se não deve ela mesma." (NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal, § 260. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p, 172-5)
A moral como contra-natureza - Todas as paixões têm uma época em que são meramente nefastas, durante a qual, com o peso da estupidez, arrastam as suas vítimas para uma depressão - e uma época mais tardia muito posterior, na qual desposam o espírito, na qual se "espiritualizam". Noutro tempo movia-se guerra à própria paixão, por causa da estupidez nela existente: as pessoas conjuravam-se para aniquilá-la, - todos os velhos monstros da moral coincidem unanimemente em que il faut tuer les passions.
A fórmula mais célebre desta idéia encontra-se no Novo Testamento, naquele Sermão da Montanha, no qual, diga-se de passagem, as coisas não são consideradas de modo algum desde as alturas. Nele se diz, por exemplo, aplicando-o na prática à sexualidade, "se o teu olho te escandaliza, arranca-o": por sorte nenhum cristão atua de acordo com esse preceito. Aniquilar as paixões e apetites meramente para prevenir a sua estupidez e as conseqüências desagradáveis desta é algo que hoje nos aparece simplesmente como uma forma aguda de estupidez. Já não admiramos os dentistas que extraem os dentes para que não continuem a doer... Com certa equidade concedamos, por outro lado, que o conceito "espiritualização da paixão" não podia ser concebido de forma alguma no terreno de que brotou o cristianismo. A Igreja primitiva lutou, com efeito, como é sabido, contra os "inteligentes" em favor dos "pobres de espírito": como esperar dela uma guerra inteligente contra a paixão? - A Igreja combate a paixão com a extirpação, em todos os sentidos da palavra: a sua medicina, a sua "cura" é a castração. Não pergunta nunca: "como espiritualizar, embelezar, divinizar um apetite?" - ela sempre carregou o acento da disciplina no extermínio (da sensualidade, do orgulho, da vontade de poder, da ânsia de posse, do desejo de vingança). - Porém atacar as paixões na sua raiz significa atacar a vida na sua raiz: a praxis da Igreja é hostil à vida...
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Esse mesmo remédio, a castração, o extermínio, é escolhido instintivamente, na luta contra um desejo, pelos que são demasiado débeis, pelos que estão demasiado degenerados para poderem impor-se moderação nesse desejo: por aquelas naturezas que, para falar em metáfora (e sem metáfora -), têm necessidade de La Trappe , de alguma declaração definitiva de inimizade, de um abismo entre elas e uma paixão. Os meios radicais afiguram-se indispensáveis tão-só aos. degenerados; a debilidade da vontade, ou, dito com mais exatidão, a incapacidade de não reagir a um estímulo é simplesmente outra forma de degenerescência. A inimizade radical, o ódio mortal contra a sensualidade. não deixa de ser um sintoma que induz a refletir: ele autoriza a fazer conjecturas sobre a saúde mental de quem comete tais excessos. - Essa hostilidade, esse ódio chega ao seu cúmulo, além disso, só quando tais naturezas não têm já firmeza bastante para a cura radical, para renunciar ao seu "demônio". Deite-se um olhar para a história inteira dos sacerdotes e filósofos, não esquecendo a dos artistas: as coisas mais venenosas contra os sentidos não foram ditas pelos impotentes, tão-pouco pelos ascetas, mas sim pelos ascetas impossíveis, por aqueles que teriam necessitado de ser ascetas...
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A espiritualização da sensualidade chama-se amor: ela é um grande triunfo sobre o cristianismo. Outro triunfo é a nossa espiritualização da inimizade. Consiste em compreender profundamente o valor que possui o ter inimigos: dito brevemente, em proceder e extrair conclusões ao inverso de como se procedia e extraia conclusões noutro tempo. A Igreja quis sempre a aniquilação dos seus inimigos: nós, nós os imoralistas e anticristãos, vemos a nossa vantagem em que a Igreja subsista. Também no âmbito político a inimizade se tornou agora mais espiritual, - muito mais inteligente, muito mais reflexiva, muito mais indulgente. Quase todos os partidos se dão conta de que para a sua própria autoconservação lhes interessa que o partido oposto não perca forças; o mesmo se deve dizer para a grande política. Especialmente uma criação nova, por exemplo o novo Reich, tem uma maior necessidade de inimigos que de amigos: só na antítese se sente necessário, só na antítese chega a tornar-se necessário... Não nos comportamos de outro modo com o nosso "inimigo interior": também aqui temos espiritualizado a inimizade, também aqui temos compreendido o seu valor. Só se é fecundo pelo preço de se ser rico em contradições; só se permanece jovem na condição de que a alma não se relaxe, não deseje a paz... Nada se nos tornou mais estranho que aquela aspiração de outrora, a aspiração à "paz de espírito", a aspiração cristã; nada nos causa menos inveja do que a moral ruminante e a sebosa felicidade da consciência tranqüila. Renunciou-se à vida grande quando se renunciou à guerra... Em muitos casos, desde logo, a "paz de espírito" não é mais do que um mal-entendido, - outra coisa, a que unicamente não se sabe atribuir um nome mais honrado. Sem divagações nem preconceitos aqui temos uns quantos casos. "Paz de espírito" pode ser, por exemplo, a plácida projeção de uma animalidade rica no terreno moral (ou religioso). Ou o começo da fadiga, a primeira sombra que traz o crepúsculo, qualquer espécie de crepúsculo. Ou um sinal de que o ar está úmido, de que se aproximam ventos do Sul. Ou o agradecimento, sem se o saber, por uma digestão feliz (chamado às vezes "filantropia"). Ou a calma do convalescente, para o qual todas as coisas têm um sabor e que está à espera... ou o estado que se segue a uma intensa satisfação da nossa paixão dominante, o sentimento de bem-estar próprio de uma saciedade rara. Ou a debilidade senil da nossa vontade, dos nossos apetites, dos nossos vícios. Ou a preguiça, persuadida pela vaidade a ataviar-se com adornos morais. Ou o advento de uma certeza, mesmo de uma certeza terrível, após uma tensão e tortura prolongadas devidas à incerteza. Ou a expressão da maturidade e a maestria na atividade, no criar, agir, querer, a. respiração tranqüila, a alcançada "liberdade da vontade"... Crepúsculo dos ídolos: quem sabe?, talvez também unicamente uma espécie de "paz de espírito"...
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Vou reduzir a fórmula um princípio. Todo o naturalismo em moral, quero dizer, toda a moral sã está regida por um instinto da vida, - um mandamento qualquer da vida é cumprido com um certo cânone de "deves" e "não deves", um obstáculo e uma inimizade qualquer no caminho da vida ficam com isso eliminados. A moral contranatural, ou seja, quase toda a, moral, até agora ensinada, venerada e pregada, dirige-se, pelo contrário, precisamente contra os instintos da vida - é uma condenação, por vezes encoberta, por vezes ruidosa e insolente, desses instintos. Ao dizer "Deus lê nos corações", a moral diz não aos apetites mais baixos e mais altos da vida e considera Deus inimigo da vida... O santo para quem Deus tem a sua complacência é o castrado ideal... A vida acaba onde começa o reino de Deus"...
(Friedrich Nietzsche, "Crepúsculo dos ídolos, ou como se filosofa à marteladas", Lisboa, Guimarães Editores, Lda, 1985)
O ressentimento - "O homem do ressentimento traveste sua impotência em bondade, a baixeza temerosa em humildade, a submissão aos que odeia em obediência, a covardia em paciência, o não poder vingar-se em não querer vingar-se e até perdoar, sua própria miséria em aprendizagem para a beatitude, o desejo de represália em triunfo da justiça divina sobre os ímpios. O reino de Deus aparece como produto do ódio e da vingança dos fracos. Incapaz de enfrentar o que o cerca, o homem do ressentimento inventa, para seu consolo, o outro mundo. Assim também procede o "filisteu da cultura’, que só pode afirmar-se através da negação do que considera seu oposto: a própria cultura. Ou então, o homem da ciência, que a si mesmo opõe um outro: o pesquisador, que pretende comportar-se de maneira impessoal, desinteressada e neutra diante do mundo, para chegar a abordá-lo com objetividade. E ainda o filósofo que, na elaboração de suas idéias, acredita poder desvinculá-las da própria vida, não se reconhecendo como advogado de seus preconceitos." ("Para além de Bem e Mal", parágrafo 2)
Os valores "Bom" e "Mau" - torna-se possível... traçar um dupla história dos valores "Bem" e "mal". O fraco concebe primeiro a idéia de "mau", com que designa os nobres, os corajosos, os mais fortes do que ele - e então a partir da idéia de "mau", chega, como antítese, à concepção de "bom", que se atribui a si mesmo. O forte, por outro lado, concebe espontaneamente o princípio "bom" a partir de si mesmo e só depois cria a idéia de "ruim". Do ponto de vista do forte, "ruim" é apenas uma criação secundária, enquanto para o fraco "mau" é a criação primeira, o ato fundador da sua moral, a moral dos ressentidos. O forte só procede por afirmação e, mais, por auto-afirmação; o fraco só pode firmar-se negando o que considera ser o seu oposto.
"O levante dos escravos na moral começa quando o ressentimento mesmo se torna criador e pare valores: o ressentimento de seres tais, aos quais está vedada a reação propriamente dita, o ato, e que somente por uma vingança imaginária ficam quites. Enquanto a moral nobre brota de um triunfante dizer-sim a si próprio, a moral de escravos diz não, logo de início, a um "fora", a um "outro", a um "não-mesmo". E esse não é seu ato criador. Essa inversão do olhar que põe valores, essa direção necessária para fora, em vez de voltar-se para si próprio - pertence, justamente, ao ressentimento: a moral de escravos precisa sempre, para surgir, de um mundo oposto e exterior, precisa, dito fisiologicamente, de estímulos externos para em geral agir - sua ação é, desde o fundamento, por reação."("Para a Genealogia da Moral", Primeira dissertação, parágrafo 10)
Liberdade de vontade - Onde um homem chega à convicção fundamental de que é preciso que mandem nele, ele se torna "crente"; inversamente seria pensável um prazer e uma força de autodeterminação, uma liberdade de vontade, em que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele está, em poder manter-se sobre leves cordas e possibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito livre "par excellence" ("A Gaia Ciência", quinto livro, parágrafo 347)
Humildade - O verme pisado encolhe-se. Atitude inteligente. Com isso reduz a probabilidade de ser pisado de novo. Na linguagem da moral: humildade." (Friedrich Nietzsche, "Crepúsculo dos ídolos, ou como se filosofa à marteladas", Lisboa, Guimarães Editores, Lda, 1985, pág. 16)
Moralidade e sucesso - Não são apenas os espectadores de um ato que com freqüência medem o que nele é moral ou imoral conforme o seu êxito: não, o seu próprio autor faz isso. Pois os motivos e intenções raramente são bastante claros e simples, e às vezes a própria memória parece turvada pelo sucesso do ato, de modo que a pessoa atribui ao próprio ato motivos falsos ou trata motivos secundários como essenciais. E freqüente o sucesso dar a um ato o brilho honesto da boa consciência, e o fracasso lançar a sombra do remorso sobre uma ação digna de respeito. Daí resulta a conhecida prática do político que pensa: "Dêem-me apenas o sucesso: com ele terei a meu lado todas as almas honestas - e me tornarei honesto diante de mim mesmo". - De modo semelhante, o sucesso pode tomar o lugar do melhor argumento. Muitos homens cultos acham, ainda hoje, que a vitória do cristianismo sobre a filosofia grega seria uma prova da maior verdade do primeiro - embora nesse caso o mais grosseiro e violento tenha triunfado sobre o mais espiritual e delicado. Para ver onde se acha a verdade maior, basta notar que as ciências que nasciam retomaram ponto a ponto a filosofia de Epicuro, mas rejeitaram ponto a ponto o cristianismo. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 62, aforismo 68, ano 2001, São Paulo)
Execuções - O que faz com que toda execução nos ofenda mais que um assassinato? É a frieza dos juízes, a penosa preparação, a percepção de que um homem é ali utilizado como um meio para amedrontar outros. Pois a culpa não é punida, mesmo que houvesse uma; esta se acha nos educadores, nos pais, no ambiente, em nós, não no assassino - refiro-me às circunstâncias determinantes. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 63, aforismo 71, ano 2001, São Paulo)
Saber esperar - Saber esperar é algo tão difícil, que os maiores escritores não desdenharam fazer disso um tema de suas criações. Assim fizeram Shakespeare em Otelo e Sófocles em Ajax; se este tivesse deixado o sentimento esfriar por um dia apenas, seu suicídio já não lhe teria parecido necessário, como indica a fala do oráculo; provavelmente teria zombado das terríveis insinuações da vaidade ferida e teria dito a si mesmo: quem, no meu lugar, já não tomou unia ovelha por um herói? será uma coisa tão monstruosa? Pelo contrário, é algo humano e comum; dessa forma Ajax poderia se consolar. A paixão não quer esperar; o trágico na vida de grandes homens está, freqüentemente, não no seu conflito com a época e a baixeza de seus semelhantes, mas na sua incapacidade de adiar por um ou dois anos a sua obra; eles não sabem esperar. - Em todos os duelos, os amigos que dão conselhos devem verificar apenas uma coisa: se as pessoas envolvidas podem esperar; se este não for o caso, um duelo é razoável, pois cada um diz a si mesmo: "Ou eu continuo a viver, e então ele deve morrer imediatamente, ou o contrário". Em tal caso, esperar significaria sofrer por muito tempo ainda o horrendo martírio da honra ferida, diante de quem a feriu; o que pode constituir mais sofrimento do que o que vale a própria vida. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 60, aforismo 61, ano 2001, São Paulo)
A esperança - Pandora trouxe o vaso que continha os males e o abriu. Era o presente dos deuses aos homens, exteriormente um presente belo e sedutor, denominado "vaso da felicidade". E todos os males, seres vivos alados, escaparam voando: desde então vagueiam e prejudicam os homens dia e noite. Um único mal ainda não saíra do recipiente: então, seguindo a vontade de Zeus, Pandora repôs a tampa, e ele permaneceu dentro. O homem tem agora para sempre o vaso da felicidade, e pensa maravilhas do tesouro que nele possui; este se acha à sua disposição: ele o abre quando quer; pois não sabe que Pandora lhe trouxe o recipiente dos males, e para ele o mal que restou é o maior dos bens - é a esperança. - Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 63, aforismo 71, ano 2001, São Paulo)
Valor da diminuição - Não poucos, talvez a maioria homens, têm necessidade de rebaixar e diminuir na sua imaginação todos os homens que conhecem, para manter sua autoestima e uma certa competência no agir. E, como as naturezas mesquinhas são em número superior, é muito importante elas terem essa competência. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 61, aforismo 63, ano 2001, São Paulo)
Deus - É com seu próprio deus que as pessoas são mais desonestas: não lhe é permitido pecar. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 65a, pág. 67)
Mão que mata - Fomos maus espectadores da vida, se não vimos também a mão que - delicadamente - mata. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 69, pág. 68)
O enfurecido - Diante de um homem que se enfurece conosco devemos tomar cuidado, como diante de alguém que já tenha atentado contra a nossa vida; pois o fato de ainda vivermos se deve à ausência do poder de matar; se os olhares bastassem, há muito estaríamos liquidados. É traço de uma cultura grosseira fazer calar alguém tornando visível a brutalidade, suscitando o medo. - Do mesmo modo, o olhar frio que os nobres têm para seus criados é resíduo daquela separação dos homens em castas, um traço de antigüidade grosseira; as mulheres, essas conservadoras do antigo, também conservaram mais fielmente essa survival [sobrevivência]. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 61, aforismo 64, ano 2001, São Paulo)
Medida para todos os dias - Raramente se erra, quando se liga as ações extremas à vaidade, as medíocres ao costume e as mesquinhas ao medo. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 65, aforismo 74, ano 2001, São Paulo)
Ideal - Quem alcança seu ideal, vai além dele. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 73, pág. 68)
Reputação - Quem já não se sacrificou alguma vez - pela própria reputação? (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 92, pág. 71)
?Costumes e moral - Ser moral, morigerado, ético" significa prestar obediência a uma lei ou tradição há muito estabelecida. Se alguém se sujeita a ela com dificuldade ou com prazer é indiferente, bastando que o faça, "Bom" é chamado aquele que, após longa hereditariedade e quase por natureza, pratica facilmente e de bom grado o que é moral, conforme seja (por exemplo, exerce a vingança quando exercê-la faz parte do bom costume, como entre os antigos gregos). Ele é denominado bom porque é bom "para algo"; mas como, na mudança dos costumes, a benevolência, a compaixão e similares sempre foram sentidos como "bons para algo", como úteis, agora sobretudo o benevolente, o prestativo, é chamado de "bom". Mau é ser "não moral" (imoral), praticar o mau costume, ofender a tradição, seja ela racional ou estúpida; especialmente prejudicar o próximo foi visto nas leis morais das diferentes épocas como nocivo, de modo que hoje a palavra "mau" nos faz pensar sobretudo no dano voluntário ao próximo. "Egoísta" e "altruísta" não é a oposição fundamental que levou os homens à diferenciação entre moral e imoral, bom e mau, mas sim estar ligado a uma tradição, uma lei, ou desligar-se dela. Nisso não importa saber como surgiu a tradição, de todo modo ela o fez sem consideração pelo bem e o mal, ou por algum imperativo categórico imanente, mas antes de tudo a fim de conservar uma comunidade, um povo; cada hábito supersticioso, surgido a partir de um acaso erroneamente interpretado, determina uma tradição que é moral seguir; afastar-se dela é perigoso, ainda mais nocivo para a comunidade que para o indivíduo (pois a divindade pune a comunidade pelo sacrilégio e por toda violação de suas prerrogativas, e apenas ao fazê-lo pune também o indivíduo). Ora, toda tradição se torna mais respeitável à medida que fica mais distante a sua origem, quanto mais esquecida for esta; o respeito que lhe é tributado aumenta a cada geração, a tradição se torna enfim sagrada, despertando temor e veneração; assim, de todo modo a moral da piedade é muito mais antiga do que a que exige ações altruístas. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 73, aforismo 96, ano 2001, São Paulo)
O prazer no costume - Um importante gênero de prazer, e com isso importante fonte de moralidade, tem origem no hábito. Fazemos o habitual mais facilmente, melhor, e por isso de mais bom grado; sentimos prazer nisso, e sabemos por experiência que o habitual foi comprovado, e portanto é útil; um costume com o qual podemos viver demonstrou ser salutar, proveitoso, ao contrário de todas as novas tentativas não comprovadas. O costume é, assim, a união do útil ao agradável, e além disso não pede reflexão. Sempre que pode exercer coação, o homem a exerce para impor e introduzir seus costumes, pois para ele são comprovada sabedoria de vida. Do mesmo modo, uma comunidade de indivíduos força todos eles a adotar o mesmo costume. Eis a conclusão errada: porque nos sentimos bem com um costume, ou ao menos levamos nossa vida com ele, esse costume é necessário, pois vale como a única possibilidade na qual nos sentimos bem; o bem estar da vida aprece vir apenas dele. Essa concepção do habitual como condição da existência é aplicada aos mínimos detalhes do costume: como a percepção da causalidade real é muito escassa entre os povos e as culturas de nível pouco elevado, um medo supersticioso cuida para que todos sigam o mesmo caminho; e até quando o costume é difícil, duro, pesado, ele é conservado por sua utilidade aparentemente superior. Não sabem que o mesmo grau de bem-estar pode existir com outros costumes, e que mesmo graus superiores podem ser alcançados. Mas certamente notam que todos os costumes, inclusive os mais duros, tornam-se mais agradáveis e mais brandos com o tempo, e que também o mais severo modo de vida pode ser tornar hábito e com isso um prazer. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 73-74, aforismo 97, ano 2001, São Paulo)
Dois tipos de igualdade - A ânsia de igualdade pode se expressar tanto pelo desejo de rebaixar os outros até seu próprio nível (diminuindo, segregando, derrubando) como pelo desejo de subir juntamente com os outros (reconhecendo, ajudando, alegrando-se com seu êxito) (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 198, aforismo 300, ano 2001, São Paulo)
A preferência por certas virtudes - Não atribuímos valor especial à posse de uma determinada virtude, até que percebemos a sua ausência total em nosso adversário. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 199, aforismo 302, ano 2001, São Paulo)
Respeitosamente - Não querer magoar, não querer prejudicar ninguém pode ser sinal tanto de um caráter justo como de um caráter medroso. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 201, aforismo 314, ano 2001, São Paulo)
Criança - Maturidade do homem: significa reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 94, pág. 71)
Mundo às avessas - Criticamos mais duramente um pensamento quando ele oferece uma proposição que nos é desagradável; no entanto, seria mais razoável fazê-lo quando sua proposição nos é agradável. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 265, aforismo 484, ano 2001, São Paulo)
Amor ao próximo - Não o seu amor ao próximo, mas a impotência do seu amor ao próximo é que impede os cristãos de hoje de nos queimar. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 104, pág.73)
Amor - Com freqüência a sensualidade precipita o crescimento do amor, de modo que a raiz permanece fraca e é facilmente arrancada. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 120, pág. 75)
O laço da gratidão - Existem almas servis, que levam a tal ponto o reconhecimento por benefícios, que estrangulam a si mesmas com o laço da gratidão. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 277, aforismo 550, ano 2001, São Paulo)
Confissão - Esquecemos nossa culpa quando a confessamos a outro alguém, mas geralmente o outro não a esquece. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 280, aforismo 568, ano 2001, São Paulo)
Monstruosidades - Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 146, pág. 79)
Atavismo - O que uma época percebe como mau é geralmente uma ressonância anacrônica daquilo que um dia foi considerado bom - o atavismo de um antigo ideal. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 149, pág. 79)
Sinais de saúde - O reparo, a travessura, a sorridente suspeita, a zombaria são sinais de saúde: todo absoluto pertence à patologia. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 154, pág. 80)
Loucura - A loucura é algo raro em indivíduos - mas em grupos, partidos, povos e épocas é a norma. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 156, pág. 80)
Falar de si - Falar muito de si pode ser um meio de se ocultar. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 169, pág. 82)
Elogio - No elogio há mais indiscrição que na censura. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 170, pág. 82)
Desejo - Por fim amamos o próprio desejo, e não o desejado. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 175, pág. 83)
Amor e reverência - O amor deseja, o medo evita. Por causa disso não podemos ser amados e reverenciados pela mesma pessoa, não no mesmo período de tempo, pelo menos. Pois quem reverencia reconhece o poder, isto é, o teme: seu estado é de medo-respeito. Mas o amor não reconhece nenhum poder, nada que separe, distinga, sobreponha ou submeta. E, como ele não reverencia, pessoas ávidas de reverência resistem aberta ou secretamente a serem amadas. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 289, aforismo 603, ano 2001, São Paulo)
Bondade - Há uma exuberância da bondade que pode parecer maldade. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 184, pág. 84)
Estar à altura de algo - "Isso não me agrada" - Por quê? - "Não estou à altura disso." - Algum homem já respondeu assim? (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, ano 2001, Aforismo 185, pág. 84)
Mau humor com os outros e com o mundo - Quando, como é tão freqüente, desafogamos nosso mau humor nos outros, e na realidade o sentimos em relação a nós mesmos, o que no fundo procuramos é anuviar e enganar o nosso julgamento: queremos motivar esse mau humor a posterior, mediante os erros, as deficiências dos outros, e assim não ter olhos para nós mesmos. - Os homens religiosamente severos, juízes implacáveis consigo mesmos, foram também os que mais denegriram a humanidade: nunca houve um santo que reservasse para si os pecados e para os outros as virtudes; e tampouco alguém que, conforme o preceito do Buda, ocultasse às pessoas o que tem de bom e lhes deixasse ver apenas o que tem de mau. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 290, aforismo 607, ano 2001, São Paulo)
A melancolia de tudo terminado - Péssimo! Sempre a velha história! Ao terminar a construção da casa, notamos que sem nos dar conta aprendemos, ao construí-la, algo que simplesmente tínhamos de saber, antes de começar a construir. O eterno aborrecido "Tarde demais!" - a melancolia de tudo terminado!... '
Confusão entre causa e efeito - Inconscientemente buscamos os princípios e as teorias adequados ao nosso temperamento, de modo que afinal aparece que esses princípios e teorias criaram o nosso caráter, deram-lhe firmeza e segurança: quando aconteceu justamente o contrário. O nosso pensamento e julgamento, assim parece, é transformado posteriormente em causa de nosso ser: mas na realidade é nosso ser a causa de pensarmos e julgarmos desse ou daquele modo. - E o que nos induz a essa comédia quase inconsciente? A indolência e a comodidade, e também o desejo vaidoso de ser considerado inteiramente consistente, uniforme no ser e no pensar: pois isso conquista respeito, empresta confiança e poder. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 291, aforismo 608, ano 2001, São Paulo)
Perigo para o homem nobre - ... Quem tem os desejos de uma alma elevada e exclusiva e raramente encontra sua mesa posta, seu alimento pronto, estará sempre em grande perigo; mas esse perigo é hoje extraordinário. Lançado numa época ruidosa e plebéia, com a qual não quer partilhar o mesmo prato, ele pode facilmente perecer de fome e sede ou, caso finalmente "se sirva" - de súbita náusea. - Todos nós, é provável, já nos sentamos junto a mesas a que não pertencíamos; e precisamente os mais espirituais entre nós, os mais difíceis de serem alimentados, conhecem aquela perigosa dispepsia, que vem de uma súbita percepção e desilusão da comida e dos vizinhos de mesa - a náusea da sobre-mesa. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, ano 2001, Aforismo 282, pág. 190)
Elogio - Supondo que se deseje absolutamente elogiar, constitui um sutil e também nobre autodomínio elogiar somente quando não se está de acordo: - de outro modo se estaria elogiando a si mesmo, o que vai de encontro ao bom gosto - sem duvida, um autodomínio que traz boa instigação e ocasião para ser continuamente mal entendido. É preciso, para se dar a esse verdadeiro luxo de gosto e moralidade, não viver enter grosseirões do espírito, mas entre homens nos quais os mal-entendidos e equívocos divertem por sua sutileza - ou então se terá de pagar caro! - "Ele me elogia: portanto me dá razão" - essa dedução perfeitamente asinina nos estraga boa parte da vida, a nós, eremitas, porque atrai os asnos à nossa vizinhança e amizade. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, ano 2001, Aforismo 283, pág. 191)
Filosofia - Toda filosofia é uma filosofia-de-fachada - eis um juízo-de-eremita: "Existe algo de arbitrário no fato de ele se deter aqui, de olhar para trás e em volta, de não cavar mais fundo aqui e pôr de lado a pá - há também algo de suspeito nisso". Toda filosofia também esconde uma filosofia, toda opinião é também um palavra também esconderijo, toda uma máscara. (Friedrich Nietzsche, "Além do Bem e do Mal", Cia das Letras, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, ano 2001, Aforismo 289, pág. 193)
Amor - ... O amor é o estado em que os homens vêem as coisas como elas não são. A força da ilusão está no amor em toda sua potência, assim como a força de adoçar, de transfigurar.... (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 44)
Cristo (1) - ... (Cristo) não tinha mais necessidade de fórmulas, de ritos para comunicar-se com Deus, nem mesmo da prece. Acabou com toda doutrina judaica de penitência e reconciliação, sabe que somente com a prática da vida o homem se sente "divino", "abençoado", "evangélico", em qualquer momento um "filho de Deus." "Penitência', "oração" e "absolvição" não são o caminho para Deus: somente a prática evangélica conduz a Deus, ela é propriamente "Deus"! O que foi destronado do Evangelho foi o judaísmo dos conceitos de "pecado", "absolvição dos pecados", "fé", "redenção dos pecados", toda doutrina da igreja judaica foi negada na "boa nova". (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 56)
Reino de Deus - ... O "reino de Deus" não é o que se espera; não existe nem ontem nem depois do amanhã, não virá em "mil anos", é uma experiência do coração; está em toda parte, em parte alguma... (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 57)
Vida - Quando não se coloca o peso da vida na própria vida, mas sim no "além", no nada, então retira-se da vida toda sua importância. A grande mentira da imortalidade pessoal destrói toda razão, todo instinto natural. Tudo que é benéfico, vital, promissor nos instintos, suscita cada vez maior desconfiança. Viver assim, de modo a esvaziar o sentido do viver, isso tornou-se atualmente o "sentido" da vida... (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 65)
Fé (1)- ... a fé não move montanhas (na verdade coloca montanhas onde não há nenhuma) ... (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 75)
Fé (2) - ... Fé significa não-querer-saber o que é verdadeiro. (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 77)
Cristianismo - O cristianismo tem necessidade de doença, da mesma forma mais ou menos como os gregos tinham necessidade de excesso de saúde; criar doentes é a meta obscura de todo sistema de procedimentos de cura da Igreja. (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 75)
Mártires - ... as mortes dos mártires, diga-se da passagem, foram uma grande infelicidade histórica: elas fascinavam.... Os mártires prejudicaram a verdade... Até hoje basta uma certa crueza na perseguição de uma seita insignificante para que esta conquiste um nome respeitável. Como? O valor de uma coisa por acaso muda só porque alguém desiste da vida.... Exatamente isso foi a maior idiotice histórica de todos os perseguidores, ter dado à questão dos oponentes uma aparência de honra, tê-la presenteado com a fascinação do martírio... A mulher continua ajoelhada ante um equívoco, porque disseram-lhe que por sua causa alguém morreu na cruz. É pois a cruz um argumento? ... Escreveram letras sangrentas no caminho que percorreram e sua loucura ensinava que a verdade se prova com sangue. Mas o sangue é a pior testemunha da verdade; o sangue envenena transformando o ensinamento puro em loucura e ódio dos corações. E quando alguém atravessa o inferno em nome da doutrina, o que isso prova? É mais verdadeiro quando a própria doutrina nasce da queimadura. (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 79)
O homem de fé - O homem de fé, o crente de qualquer espécie é obrigatoriamente um homem dependente, um desses que não pode colocar sua própria meta ou colocar metas para si mesmo. O crente não se pertence, só sabe ser um meio, tem de ser consumido, precisa de alguém que o consuma. Seu instinto fornece a honra mais alta à moral de auto-esvaziamento: tudo persuade para isso, sua inteligência, sua experiência, sua vaidade. Toda forma de crença é em si mesma uma expressão de auto-esvaziamento, e auto-afastamento. (Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo", Edição Integral,1992, pág. 80)
Homens atrasados e homens antecipadores - O caráter desagradável, que é pleno de desconfiança, que recebe com inveja todos os êxitos de competidores e vizinhos, que é violento e raivoso com opiniões divergentes, mostra que pertence a um estágio anterior da cultura, que é então um resíduo: pois o seu modo de lidar com as pessoas era certo e apropriado para as condições de uma época em que vigorava o "direito dos punhos"; ele é um homem atrasado. Um outro caráter, que prontamente partilha da alegria alheia, que conquista amizades em toda parte, que tem afeição pelo que cresce e vem a ser, que tem prazer com as honras e sucessos de outros e não reivindica o privilégio de sozinho conhecer a verdade, mas é pleno de uma modesta desconfiança - este um homem antecipador, que se move rumo a uma superior cultura humana. O caráter desagradável procede de um tempo em que os toscos fundamentos das relações humanas estavam por ser construídos; o outro vive nos andares superiores destas relações, o mais afastado possível do animal selvagem que encerrado nos porões, sob os fundamentos da cultura, uiva e esbraveja. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 293-294, aforismo 614, ano 2001, São Paulo)
Alienado do presente - Há grandes vantagens em alguma vez alienar-se muito de seu tempo e ser como que arrastado de suas margens, de volta para o oceano das antigas concepções do mundo. Olhando para a costa a partir de lá, abarcamos pela primeira vez sua configuração total, e ao nos reaproximarmos dela teremos a vantagem de, no seu conjunto, entendê-la melhor do que aqueles que nunca a deixaram. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 294, aforismo 616, ano 2001, São Paulo)
Viver - Que significa viver? - Viver - é continuamente afastar de si algo que quer morrer; viver - é ser cruel e implacável com tudo o que em nós, e não apenas em nós , se torna fraco e velho. (Friedrich Nietzsche, "A gaia Ciência", Cia das Letras, ano 2001, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, Aforismo 26, pág. 77)
Ser profundo e parecer profundo - Quem sabe que é profundo, busca a clareza; quem deseja parecer profundo para a multidão, procura ser obscuro. Pois a multidão toma por profundo aquilo cujo fundo não vê: ela é medrosa, hesita em entrar na água. (Friedrich Nietzsche, "A gaia Ciência", Cia das Letras, ano 2001, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, Aforismo 173, pág. 166)
Pobre - Hoje ele é pobre; mas não porque lhe tiraram tudo, e sim porque jogou tudo fora - que lhe importa isso? Ele está habituado a encontrar. - Pobres são aqueles que não entendem a pobreza voluntária dele. (Friedrich Nietzsche, "A gaia Ciência", Cia das Letras, ano 2001, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, Aforismo 185, pág. 169)
Contra os que elogiam - A: "Somos elogiados apenas por nossos iguais!". B: "Sim! E quem o elogia lhe diz: você é meu igual!" (Friedrich Nietzsche, "A gaia Ciência", Cia das Letras, ano 2001, Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, Aforismo 190, pág. 170)
Ter espírito filosófico - Habitualmente nos empenhamos em alcançar, ante todas as situações e acontecimentos da vida, uma atitude mental, uma maneira de ver as coisas - sobretudo a isto se chama ter espírito filosófico. Para enriquecer o conhecimento, no entanto, pode ser de mais valor não se uniformizar desse modo, mas escutar a voz suave das diferentes situações da vida; elas trazem consigo suas próprias maneiras de ver. Assim participamos atentamente da vida e da natureza de muitos, não tratando a nós mesmos como um indivíduo fixo, constante, único. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 295, aforismo 618, ano 2001, São Paulo)
Sacrifício - Havendo a escolha, deve-se preferir um grande sacrifício a um pequeno: pois compensamos o grande sacrifício com a auto-admiração, o que não é possível no caso do pequeno. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 295, aforismo 620, ano 2001, São Paulo)
Convicção - Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, de posse da verdade absoluta. Esta crença pressupõe, então, que existam verdades absolutas; e, igualmente, que tenham sido achados os métodos perfeitos para alcançá-las; por fim, que todo aquele que tem convicções se utilize desses métodos perfeitos. Todas as três asserções demonstram de imediato que o homem das convicções não é o do pensamento científico; ele se encontra na idade da inocência teórica e é uma criança, por mais adulto que seja em outros aspectos. Milênios inteiros, no entanto, viveram com essas pressuposições pueris, e delas brotaram as mais poderosas fontes de energia da humanidade. Os homens inumeráveis que se sacrificaram por suas convicções acreditavam fazê-lo pela verdade absoluta. Nisso estavam todos errados: provavelmente nenhum homem se sacrificou jamais pela verdade; ao menos a expressão dogmática de sua crença terá sido não científica ou semicientífica. Mas realmente queriam ter razão, porque achavam que deviam ter razão. Permitir que lhes fosse arrancada a sua crença talvez significasse pôr em dúvida a sua própria beatitude eterna. Num assunto de tal extrema importância, a "vontade" era perceptivelmente a instigadora do intelecto. A pressuposição de todo crente de qualquer tendência era não poder ser refutado; se os contra-argumentos se mostrassem muito fortes, sempre lhe restava ainda a possibilidade de difamar a razão e até mesmo levantar o credo quia absurdum est [creio porque é absurdo] como bandeira do extremado fanatismo. Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas o conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções. Se todos aqueles que tiveram em conta a sua convicção, que lhe fizeram sacrifícios de toda não pouparam honra, corpo e vida para servi-la, tivessem dedicado apenas metade de sua energia a investigar com que direito se apegavam a esta ou àquela convicção, por que caminho tinham a ela chegado: como se mostraria pacífica a história da humanidade! Quanto mais conhecimento não haveria! Todas as cruéis cenas, na perseguição aos hereges de toda espécie, nos teriam sido poupadas por duas razões: primeiro, porque os inquisidores teriam inquirido antes de tudo dentro de si mesmos superando a pretensão de defender a verdade absoluta; porque os próprios hereges não teriam demonstrado maior interesse por teses tão mal fundamentadas como as dos sectários e "ortodoxos" religiosos, após tê-las examinado. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 301, aforismo 630, ano 2001, São Paulo)
Convicções - Quem não passou por diversas convicções, mas ficou preso à fé em cuja rede se emaranhou primeiro, é em todas as circunstâncias, justamente por causa dessa imutabilidade, um representante de culturas atrasadas; em conformidade com esta ausência de educação (que sempre pressupõe educabilidade), ele é duro, irrazoável, incorrigível, sem brandura, um eterno desconfiado, um inescrupuloso, que emprega todos os meios para impor sua opinião, por ser incapaz de compreender que têm de existir outras opiniões; assim considerado, ele é talvez uma fonte de força, e em culturas que se tornaram demasiado livres e frouxas é até mesmo salutar, mas apenas porque incita fortemente à oposição; pois a delicada estrutura da nova cultura que é obrigada a lutar contra ele se tornará forte ela mesma. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 302, aforismo 632, ano 2001, São Paulo)
Convicções - Ainda somos, no essencial, os mesmos homens da época da Reforma: como poderia ser diferente? Mas o fato de já não no permitirmos certos meios de contribuir para a vitória de nossa opiniões nos diferencia daquele tempo, e prova que pertencemos a uma cultura superior. Quem ainda hoje combate e derruba opiniões com suspeitas, com acessos de raiva, como se fazia durante a Reforma, revela claramente que teria queimado o seus rivais, se tivesse vivido em outros tempos, e que teria recorrido a todos os meios da Inquisição, se tivesse vivido como adversário da Reforma. Essa Inquisição era razoável na época pois não significava outra coisa senão o estado de sítio que teve de ser proclamado em todo o domínio da Igreja, que, como todo estado de sítio, autorizava os meios mais extremos, com base no pressuposto (que já não partilhamos com aqueles homens) de que a Igreja tinha a verdade, e de que era preciso conservá-la para a salvação da humanidade, a todo custo e com todo sacrifício. Hoje em dia, porém, já não admitimos tão facilmente que alguém possua a verdade: os rigorosos métodos de investigação propagaram desconfiança e cautela bastantes, de modo que todo aquele que defende opiniões com palavras e atos violentos é visto como um inimigo de nossa presente cultura ou, no mínimo, como um atrasado. Realmente: o pathos de possuir a verdade vale hoje bem pouco em relação àquele outro, mais suave e nada altissonante, da busca da verdade, que nunca se cansa de reaprender e reexaminar. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 303, Aforismo 633, ano 2001, São Paulo)
Tempos felizes - Uma época feliz é completamente impossível, porque as pessoas querem desejá-la, mas não tê-la, e todo indivíduo, em seus dias felizes, chega quase a implorar por inquietude e miséria. O destino dos homens se acha disposto para momentos felizes - cada vida humana tem deles -, mas não para tempos felizes. No entanto, estes perduram na fantasia humana como "o que está além dos montes", como uma herança dos antepassados; pois a noção de uma era feliz talvez provenha, desde tempos imemoriais, daquele estado em que o homem, após violentos esforços na caça e na guerra, entrega-se ao repouso, distende os membros e ouve o rumor das asas do sono. Há uma conclusão errada em imaginar, conforme aquele antigo hábito, que após períodos inteiros de carência e fadiga se pode partilhar também aquele estado de felicidade, com intensidade e duração correspondentes. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 251, Aforismo 471, ano 2001, São Paulo)
Nietzsche, Estado e Política
O socialismo em vista de seus meios - O socialismo é o visionário irmão mais novo do quase extinto despotismo, do qual quer ser herdeiro; seus esforços, portanto, são reacionários no sentido mais profundo. Pois ele deseja uma plenitude de poder estatal como até hoje somente o despotismo teve, e até mesmo supera o que houve no passado, por aspirar ao aniquilamento formal do indivíduo: o qual ele vê como um luxo injustificado da natureza, que deve aprimorar e transformar num pertinente órgão da comunidade. Devido à afinidade, o socialismo sempre aparece na vizinhança de toda excessiva manifestação de poder, como o velho, típico socialista Platão na corte do tirano da Sicília; ele deseja (e em algumas circunstâncias promove) o cesáreo Estado despótico neste século, porque, como disse, gostaria de vir a ser seu herdeiro. Mas mesmo essa herança não bastaria para os seus objetivos, ele precisa da mais servil submissão de todos os cidadãos ao Estado absoluto, como nunca houve igual; e, já não podendo contar nem mesmo com a antiga piedade religiosa ante o Estado, tendo, queira ou não, que trabalhar incessantemente para a eliminação deste - pois trabalha para a eliminação de todos os Estados existentes -, não pode ter esperança de existir a não ser por curtos períodos, aqui e ali, mediante o terrorismo extremo. Por isso ele se prepara secretamente para governos de terror, e empurra a palavra "justiça" como um prego na cabeça das massas semicultas, para despojá-las totalmente de sua compreensão (depois que esta já sofreu muito com a semi-educação) e criar nelas uma boa consciência para o jogo perverso que deverão jogar. - O socialismo pode servir para ensinar, de modo brutal e enérgico, o perigo que há em todo acumulo de poder estatal, e assim instilar desconfiança do próprio Estado. Quando sua voz áspera se junta ao grito de guerra que diz o máximo de Estado possível, este soa, inicialmente, mais ruidoso do que nunca: mas logo também se ouve, com força tanto maior, o grito contrário que diz: O mínimo de Estado possível. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 255-256, Aforismo 473, ano 2001, São Paulo)
O homem europeu e a destruição das nações (elogio aos judeus) - O comércio e a indústria, a circulação de livros e cartas, a posse comum de toda a cultura superior, a rápida mudança de lar e de região, a atual vida nômade dos que não possuem terra - essas circunstâncias trazem necessariamente um enfraquecimento e por fim uma destruição das nações, ao menos das européias: de modo que a partir delas, em conseqüência de contínuos cruzamentos, deve surgir uma raça mista, a do homem europeu. Hoje em dia o isolamento das nações trabalha contra esse objetivo, de modo consciente ou inconsciente, através da geração de hostilidades nacionais, mas a mistura avança lentamente, apesar dessas momentâneas correntes contrárias: esse nacionalismo artificial é, aliás, tão perigoso como era o catolicismo artificial, pois é na essência um estado de emergência e de sítio que alguns poucos impõem a muitos, e que requer astúcia, mentira e força para manter-se respeitável. Não é o interesse de muitos (dos povos), como se diz, mas sobretudo o interesse de algumas dinastias reinantes, e depois de determinadas classes do comércio e da sociedade, o que impele a esse nacionalismo; uma vez que se tenha reconhecido isto, não é preciso ter medo de proclamar-se um bom europeu e trabalhar ativamente pela fusão das nações: no que os alemães, graças à sua antiga e comprovada qualidade de intérpretes e mediadores dos povos, serão capazes de colaborar. - Diga-se de passagem que o problema dos judeus existe apenas no interior dos Estados nacionais, na medida em que neles a sua energia e superior inteligência, o seu capital de espírito e de vontade, acumulado de geração em geração em prolongada escola de sofrimento, devem preponderar numa escala que desperta inveja e ódio, de modo que em quase todas as nações de hoje - e tanto mais quanto mais nacionalista é a pose que adotam - aumenta a grosseria literária de conduzir os judeus ao matadouro, como bodes expiatórios de todos os males públicos e particulares. Quando a questão não for mais conservar as nações, mas criar uma raça européia mista que seja a mais vigorosa possível, o judeu será um ingrediente tão útil e desejável quanto qualquer outro vestígio nacional. Características desagradáveis, e mesmo perigosas, toda nação, todo indivíduo tem: é cruel exigir que o judeu constitua exceção. Nele essas características podem até ser particularmente perigosas e assustadoras; e talvez o jovem especulador da Bolsa judeu seja a invenção mais repugnante da espécie humana. Apesar disso gostaria de saber o quanto, num balanço geral, devemos relevar num povo que, não sem a culpa de todos nós, teve a mais sofrida história entre todos os povos, e ao qual devemos o mais nobre dos homens (Cristo), o mais puro dos sábios (Spinoza), o mais poderoso dos livros e a lei moral mais eficaz do mundo. E além disso: nos tempos mais sombrios da Idade Média, quando as nuvens asiáticas pesavam sobre a Europa, foram os livres pensadores, eruditos e médicos judeus que, nas mais duras condições pessoais, mantiveram firme a bandeira das Luzes e da independência intelectual, defendendo a Europa contra a Ásia; tampouco se deve menos aos seus esforços o fato de finalmente vir a triunfar uma explicação do mundo mais natural, mais conforme à razão e certamente não mítica, e de o anel da cultura que hoje nos liga às luzes da Antigüidade greco-romana não ter se rompido. Se o cristianismo tudo fez para orientalizar o Ocidente, o judaísmo contribuiu de modo essencial para ocidentalizá-lo de novo: o que, num determinado sentido, significa fazer da missão e da história da Europa uma continuação da grega. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 257-258, Aforismo 475, ano 2001, São Paulo)
Propriedade e Justiça - Quando os socialistas demonstram que a divisão da propriedade, na humanidade de hoje, é conseqüência de inúmeras injustiças e violências, e in summa rejeitam a obrigação para com algo de fundamento tão injusto, eles vêem apenas um aspecto da questão. O passado inteiro da cultura antiga foi construído sobre a violência, a escravidão, o embuste, o erro; mas nós, herdeiros de todas essas situações, e mesmo concreções de todo esse passado, não podemos abolir a nós mesmos, nem nos é permitido querer extrair algum pedaço dele. A disposição injusta se acha também na alma dos que não possuem, eles não são melhores do que os possuidores e não têm prerrogativa moral, pois em algum momentos seus antepassados foram possuidores. O que é necessário não são novas distribuições pela força, mas graduais transformações do pensamento; em cada indivíduo a justiça deve se tornar maior e o instinto de violência mais fraco. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 244, Aforismo 452, ano 2001, São Paulo)
Os perigosos entre os subversivos - Podemos dividir os que pretendem uma subversão da sociedade entre aqueles que desejam alcançar algo para si e aqueles que o desejam para seus filhos e netos. Esses últimos são os mais perigosos; porque têm a fé e a boa consciência do desinteresse. Os demais podem ser contentados com um osso: a sociedade dominante é rica e inteligente o bastante para isso. O perigo começa quando os objetivos se tornam impessoais; os revolucionários movidos por interesse impessoal podem considerar todos os defensores da ordem vigente como pessoalmente interessados, sentindo-se então superiores a eles. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 245, Aforismo 454, ano 2001, São Paulo)
Uma ilusão na doutrina da subversão - Há visionários políticos e sociais que com eloquência e fogosidade pedem a subversão de toda ordem, na crença de que logo em seguida o mais altivo templo da bela humanidade se erguerá por si só. Nestes sonhos perigosos ainda ecoa a superstição de Rousseau, que acredita numa miraculosa, primordial, mas, digamos, soterrada bondade da natureza humana, e que culpa por esse soterramento as instituições da cultura, na forma de sociedade, Estado, educação. Infelizmente aprendemos, com a história, que toda subversão desse tipo traz a ressurreição das mais selvagens energias, dos terrores e excessos das mais remotas épocas, há muito tempo sepultados: e que, portanto, uma subversão pode ser fonte de energia numa humanidade cansada, mas nunca é organizadora, arquiteta, artista, aperfeiçoadora da natureza humana. - Não foi a natureza moderada de Voltaire, com seu pendor a ordenar, purificar e modificar, mas sim as apaixonadas tolices e meias verdades de Rousseau que despertaram o espírito otimista da Revolução, contra o qual eu grito: "Ecrasez l'infâme [Esmaguem o infame]!. Graças a ele o espírito do Iluminismo e da progressiva evolução foi por muito tempo afugentado: vejamos - cada qual dentro de si - se é possível chamá-lo de volta! (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 249, Aforismo 463, ano 2001, São Paulo)
Comedimento - A completa firmeza de pensamento e investigação, ou seja, a liberdade de espírito, quando se tornou qualidade do caráter, traz comedimento na ação: pois enfraquece a avidez, atrai muito da energia existente, para promover objetivos espirituais, e mostra a utilidade parcial ou a inutilidade e o perigo de todas as mudanças repentinas. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 249, Aforismo 464, ano 2001, São Paulo)
Ressurreição do espírito - No leito de enfermo da política, geralmente um povo rejuvenesce e redescobre seu espírito, que ele havia gradualmente perdido ao buscar e assegurar o poder. A cultura deve suas mais altas conquistas aos tempos politicamente debilitados. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 250, Aforismo 465, ano 2001, São Paulo)
Instrução pública - Nos grandes Estados a instrução pública será sempre, no melhor dos casos, medíocre, pelo mesmo motivo por que nas grandes cozinhas cozinha-se mediocremente. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 250, Aforismo 467, ano 2001, São Paulo)
Contra o feminismo - Em nenhuma época o sexo fraco foi tratado com tanto reaspeito pelos homens como na nossa - o que é parte da tendência democrática e seu gosto básico, do mesmo modo que
Contra o feminismo - Em nenhuma época o sexo fraco foi tratado com tanto respeito pelos homens como na nossa - o que é parte da tendência democrática e seu gosto básico, do mesmo modo que a falta de reverência pela velhice -: como admirar que logo se abuse desse respeito? Querem mais, aprendem a exigir, por fim acham quase ofensivo esse tributo de respeito, preferiam a competição por direitos, até mesmo a luta: em suma, a mulher perde o pudor. Acrescentemos logo que também perde o gosto. Desaprende a temer o homem: mas a mulher que "desaprende o temor" abandona seus instintos mais femininos. Que a mulher ouse avançar quando já não se quer nem se cultiva o que há de amedrontador no homem, mais precisamente o homem no homem, é algo de se esperar e também de compreender; o que dificilmente se compreende é que por isso mesmo a mulher - degenera. Isso acontece hoje: não nos enganemos! Em toda parte onde o espírito industrial venceu o espírito militar e aristocrático, a mulher aspira à independência econômica e legal de um caixeiro: "a mulher como caixeira" - está escrito no portal da sociedade moderna que se forma. Apoderando-se de tal maneira de novos direitos, buscando tornar-se "senhor" e inscrevendo o "progresso- feminino em suas bandeiras e bandeirolas, ela vê realizar-se o contrário, com terrível nitidez: a mulher está em regressão. Desde a Revolução Francesa a influência da mulher na Europa diminuiu, na proporção em que aumentaram seus direitos e exigências; e a "emancipação da mulher", na medida em que é reivindicada e promovida pelas próprias mulheres (e não só por homens de cabeça oca) resulta num sintoma curioso de progressivo enfraquecimento e embotamento dos instintos mais femininos. Há estupidez nesse movimento, uma quase masculina estupidez, da qual uma mulher bem lograda - que é sempre uma mulher sagaz - se envergonharia gravemente. Perder a intuição do terreno onde a vitória é mais segura; descuidar o exercício de sua verdadeira arma; pôr-se a anteceder o homem, chegando talvez "até o livro", quando antes praticava a reserva e uma sutil, astuta submissão; combater, com virtuosa audácia, a crença do homem num ideal radicalmente outro escondido na mulher, num eterno - e necessário - feminino; tentar dissuadir o homem, com insistência e parolice, de que a mulher deve ser cuidada, mantida, protegida, poupada como um animal doméstico bem delicado, curiosamente selvagem e freqüentemente agradável; a procura canhestra e indignada de tudo o que há de escravo e servil na posição da mulher na presente ordem social (como se a escravidão fosse um contra-argumento, e não uma condição de toda cultura elevada, de toda elevação da cultura) - que significa tudo isso, senão uma desagregação dos instintos femininos, uma desfeminização? Certamente não faltam idiotas amigos das senhoras e corruptores da mulher entre os doutos jumentos masculinos, que aconselham a mulher a se desfeminizar dessa maneira e imitar as estupidezes de que sofre o "homem" da Europa, a "masculinidade" européia - que gostariam de rebaixar a mulher á "educação geral" e mesmo à leitura de jornais e à política. Pensa-se inclusive, aqui e ali, em fazer das mulheres livres-pensadores e literatos: como se uma mulher sem religião não fosse, para um homem profundo e ateu, algo totalmente repugnante ou ridículo -: em quase toda parte arruinam os nervos delas com a mais doentia e perigosa espécie de música (nossa mais recente música alemã) e as tornam a cada dia mais histéricas e mais incapacitadas para sua primeira e última ocupação, que é gerar filhos robustos. Querem "cultivá-las" ainda mais e, como dizem, através da cultura tornar forte o "sexo fraco": como se a história não ensinasse, do modo mais premente, que o "cultivo" do ser humano e o enfraquecimento - isto é, enfraquecimento, fragmentação adoecimento da força de vontade - sempre andam juntos, e que as mais poderosas e influentes mulheres do mundo (por último a mãe de Napoleão) deveram seu poder e autoridade junto aos homens à sua força de vontade - e não aos professores! O que na mulher inspira respeito e com freqüência temor é sua natureza, que é "mais natural" que a do homem, sua autêntica astuciosa agilidade ferina, sua garra de tigre por baixo da luva, sua inocência no egoísmo, sua ineducabilidade e selvageria interior, o caráter inapreensível, vasto, errante de seus desejos e virtudes... O que, com todo o temor, desperta compaixão por esse belo e perigoso felino "mulher", é o fato de ela parecer mais sofredora, mais frágil, mais necessitada de amor e condenada à desilusão que qualquer outro animal. Temor e compaixão: Com estes sentimentos o homem colocou-se até agora diante da mulher, sempre com um pé na tragédia, que dilacera ao encantar. - Como? E isso estaria acabando? O desencantamento da mulher está em marcha? Estará surgindo o entediamento da mulher? .... (Para além do Bem e do Mal, Cia das Letras, 2001, nº 239, pág. 145)

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