Meus irmãos hoje no dia 21 de Abril a data
histórica muito se comenta e se diz em torno de uma construção mitológica com
cor local. Com inspiração nos escritos de Françoise Jean de Oliveira Souza; foi
possível construir este ensaio subjetivo e sem pretensões...
A Inconfidência como objeto passível de
ser novamente apropriado permitiu à historiografia refazer as linhas gerais do
levante sempre que a conjuntura política brasileira teve necessidade de
reavivar o sentimento nacional. Seu legado simbólico foi retomado de tempos em
tempos, mais especificamente nos momentos de rupturas históricas no decorrer do
século XX. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até mesmo os militares de
1964, autointitulados “os novos inconfidentes”, apropriaram-se do fato histórico
em favor de seus interesses políticos. Sob novas roupagens, o mito repetia-se
incessantemente.
Contudo, não foram apenas os governos que
utilizaram a influência do movimento e de seu herói. Muitas instituições também
procuraram um “lugar ao sol” nessa festa de apropriações simbólicas. Foi o caso
da maçonaria, que tomou Tiradentes como seu símbolo maior no Brasil ainda no
século XIX. A partir de 1870, ocorreu um crescimento acelerado do número de
lojas maçônicas no país e muitas delas foram batizadas de “Tiradentes”.
Frequentemente, suas bibliotecas tinham o inconfidente por patrono e até mesmo
os jornais maçônicos carregavam seu nome. Já no século XX, Tiradentes pareceu
ganhar em definitivo um lugar de destaque no panteão maçônico, tornando-se
patrono da Academia Maçônica de Letras.
Mas por que esse mineiro poderia
representar a maçonaria? Que legitimidade haveria nisso? “Simples”,
responderiam os historiadores ligados a essa organização: Tiradentes teria sido
maçom, e a Inconfidência Mineira, uma conspiração maçônica em prol da
libertação nacional!
Muitos maçons, historiadores ou não,
aventuraram-se a escrever sobre o episódio para desvendar sua “verdadeira”
história e demonstrar o papel crucial da maçonaria na definição dos
acontecimentos de 1789. Em geral, essas narrativas começam demonstrando que a
Inconfidência não foi um episódio regional. Tal movimento teria feito parte de
um projeto internacional elaborado para tornar livres todos os povos oprimidos.
A Inconfidência, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos
seriam expressões de um mesmo fenômeno: o do anseio revolucionário por
independência, democracia e liberdade que sacudiu a Europa e a América por meio
das atividades maçônicas.
Tiradentes somava as novas ideias
absorvidas. Passou a frequentar a biblioteca do cônego Luís Vieira da Silva, e,
ali conheceu as teses dos franceses Rousseau, Montesquieu e outros iluministas,
que secundavam o pensamento do inglês John Locke. Ao retornar a Vila Rica,
aproveita a ocasião para fazer propaganda sobre os planos que havia idealizado.
Procurou os companheiros que compartilhavam de seu pensamento e daí em diante
foi se formando, assim, a ideia da Conspiração Mineira.
Desse modo, o sentimento nativista não
seria suficiente para explicar os anseios dos inconfidentes pela República.
Acreditar apenas nisso, segundo os escritores da maçonaria, seria “ingenuidade
e romantismo”. Os conspiradores mineiros agiriam inspirados não só pela ideia
de nação brasileira, mas, principalmente, pelos sentimentos de sua organização.
“Mirando-se no exemplo vitorioso da revolução americana guiada por George
Washington, Thomas Jefferson, etc., (…) os líderes inconfidentes questionaram o
que a metrópole impunha como sendo inquestionável”, escreve o maçom Raymundo
Vargas. Eles não teriam planejado uma revolta se não tivessem certeza de que os
“irmãos” americanos prestariam auxílio ao restante do continente. O projeto
também incluía a Europa, e a França foi o palco escolhido para os contatos que
uniriam o Brasil “a essa corrente universal de liberdade”.
A narrativa maçônica apresenta-se confusa
para aqueles que sabem que a instituição foi fundada no Brasil em 1801. Mas
aqui também podemos usar a cronologia para esclarecer os fatos: a primeira loja
maçônica documentada no Brasil, chamada de Cavaleiros da Luz, foi fundada
entre 1795 e 1797, em Salvador. A Inconfidência ocorreu anos antes, em 1789. A
Inconfidência poderia caracterizar-se como um movimento maçônico se ainda não
havia lojas no Brasil? De acordo com seus escritores, haveria, sim, centenas de
maçons organizados em lojas, mas estas funcionavam clandestinamente, já que a
ordem se encontrava proibida pela legislação portuguesa.
O relato que inaugurou a crença em uma
Inconfidência de caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos, que,
curiosamente, não era maçom. Em sua obra Memórias do distrito diamantino
da comarca do Serro Frio (1924), ele escreve que a “Inconfidência de Minas
tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram
pedreiros-livres”. Com base nessa passagem, estudiosos, maçons ou não,
começaram a associar automaticamente a Inconfidência à maçonaria. Surgiu a
crença de que Tiradentes, que ia muito à Bahia para refazer o sortimento de
mercadorias de seu negócio, acabou, numa de suas viagens, tornando-se maçom.
Ele seria o responsável pela criação de uma loja maçônica, local onde os
conjurados teriam sido iniciados na organização, “introduzida por Tiradentes
quando por aqui passava vindo da Bahia para Vila Rica”, escreve Tenório
D’Albuquerque.
Prova maior da importância do triângulo
como símbolo maçônico teria se dado no momento da execução de Tiradentes,
quando o maçom e capitão Luiz Benedito de Castro não distribuiu as tropas em
círculo como de costume, e sim formou um triângulo humano em torno do patíbulo.
A multidão “não poderia compreender o significado simbólico daquele triângulo,
mas Tiradentes, no centro dele, compreendia aquela última e singela homenagem”,
descreve Raymundo Vargas.
Finalmente, as narrativas maçônicas encontram
explicação também para um instigante mistério: o sumiço da cabeça de
Tiradentes. A urna funerária contendo a cabeça do herói da Inconfidência teria
sido retirada secretamente às altas horas da noite pelos irmãos maçons
remanescentes do movimento. O roubo da cabeça seria, segundo Raymundo Vargas,
uma das primeiras afrontas da maçonaria às autoridades repressoras portuguesas,
mostrando-lhes que “a luta só começava”. Segundo autores maçons, não teria sido
por acaso que, no mesmo local onde a cabeça de Tiradentes fora exposta, o então
presidente da província mineira e grão-mestre da maçonaria brasileira em 1874
Joaquim Saldanha Marinho, em 3 de abril de 1867 ergueu uma coluna de pedra em
memória do mártir maçom.
Vários outros aspectos da Inconfidência
foram trabalhados pelos autores ligados à organização, tais como a
personalidade maçônica do Visconde de Barbacena ou as “irrefutáveis” provas da
viagem de Tiradentes à Europa para fazer contato com seus irmãos da ordem.
Percebe-se que a maçonaria, por meio de seus intelectuais, construiu uma série
de argumentos para não deixar dúvida quanto ao papel de destaque dessa
instituição no desenrolar de todos os fatos da Conjuração. Recentemente,
surgiram alguns trabalhos elaborados por historiadores maçons mais criteriosos
que refutam muitas das teses aqui apresentadas. Contudo, estes ainda não foram
suficientes para derrubar do imaginário maçônico a figura do herói mineiro.
De fato, existem vestígios de que maçons
passaram pelas Minas setecentistas. Analisando os processos inquisitoriais
luso-brasileiros de fins do século XVIII e início do XIX, encontram-se
denúncias contra mineiros de Vila Rica e do Tijuco, acusados de libertinos,
heréticos e maçons. Sabe-se também que muitos estudantes brasileiros em Coimbra
e Montpellier iniciaram-se na maçonaria europeia e trouxeram seus valores e
ideias para o Brasil. Alguns deles, como José Álvares Maciel e Domingos Vidal,
ajudaram nos planos dos inconfidentes.
Para além da discussão da veracidade ou
não desses relatos acerca da Inconfidência, é interessante perceber de que
maneira a elaboração de tal narrativa histórica favorece a instituição dos
pedreiros livres. Em diversos momentos, a presença da maçonaria em território
brasileiro foi questionada. Com a Proclamação da República, por exemplo, a
Igreja Católica perdeu o título de religião oficial do Estado e, para tentar
reaver sua influência política, reforçou o combate à organização. O catolicismo
oficial passou a apresentar a maçonaria como uma sociedade “estranha” à cultura
brasileira, vinda de fora, representante do imperialismo e, logo, uma ameaça à
soberania nacional. Mais tarde, com esses argumentos, Getúlio Vargas a
colocaria na ilegalidade.
Diante de situações como essas, tornou-se
fundamental para a maçonaria apresentar-se à sociedade brasileira como uma
instituição que, ao contrário do que dizem seus opositores, mostra se presente
há tempos em nosso território e em nossa cultura. Assim, a narrativa da
Inconfidência como um movimento maçônico pode ser denominada de “’tradição
inventada”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm que indica a criação de um
passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade. Construir por meio de
uma historiografia uma tradição na qual os maçons teriam feito parte do momento
fundador da nação brasileira é, sem dúvida, uma maneira de assegurar sua
presença no Brasil. Ao associar a imagem de Tiradentes à sua, essa ordem passa
a ser lembrada como a defensora dos nobres valores carregados pelo herói
nacional. Mais do que uma forma de defesa, a apropriação maçônica da simbologia
da Inconfidência lhe dá legitimidade perante a sociedade. Por ora, a estratégia
teve êxito na medida em que a insurreição de 1789 e a atuação maçônica
encontram-se, ainda hoje, intimamente associadas no imaginário popular.
Considerações
finais
O enigmático mártir em leitura pragmática
jamais foi maçom pois não havia maçonaria ainda no Brasil e sim maçons e não há
registros que tenha viajado além mar para ser iniciado, sob outro viés em uma
leitura passional nosso alferes tem muitos predicados que o credenciam como
maçom ou profano de avental.
Autor: Ir⸫ Ivan Froldi Marzollo – Advogado – Pós-graduado
em Maçonologia: História e Filosofia (UNINTER)
BIBLIOGRAFIA
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Texto fornecido pelo Ir⸫ Sérgio Eduardo Correia - M⸫I⸫ CH335