Texto de Kennyl Ismail
“Eu não sei a chave para o sucesso,
mas a chave para o fracasso é tentar agradar a
todos.”
Bill Cosby
A Sublime Ordem
Maçônica sempre teve como um de seus pilares a exaltação da razão e o combate à
sua ausência, ou seja, a ignorância, a intolerância e o fanatismo. A coerência,
um fruto da razão, é a relação lógica e não contraditória entre as ideias. Seguindo
uma retórica dedutiva, seria “coerente” supor que o maçom, enquanto ser
pensante, deve ser “coerente” em suas escolhas. Porém, infelizmente, não se
pode esperar isso de todos. O uso da razão gera conhecimento, e o conhecimento
é necessário para a busca da coerência. Entretanto, se você não usa a razão ou
não detém o conhecimento determinado, não há como ser coerente.
Há aqueles que
querem agradar a todos. Contudo, o oposto da razão, como se sabe, é a emoção. E
agradar é, em sua natureza, uma ação emocional. Com isso, corre-se o risco de
ser incoerente. Há também aqueles que não possuem o conhecimento necessário
para a ação, realizando assim ações não racionais. E ações não racionais também
tendem a serem incoerentes. O maçom deve tentar não cair na tentação de tais
incoerências, as quais são suscetíveis na Maçonaria Brasileira, principalmente
quando se trata da adoção de Ritos.
O
Rito Adonhiramita é um importante rito na história da Maçonaria Brasileira.
Porém, é o único Rito Adonhiramita num país que adota uma série de ritos
Hiramitas. Ou você compreende que o princípio Adonhiramita é o correto ou que o
Hiramita é o correto. Considerar os dois corretos é impossível. No Brasil,
houve nos últimos anos uma tentativa de “hiramizar” o Rito Adonhiramita, interpretando
que o nome Adonhiram era a junção do prefixo “Adon” com o nome “Hiram”, o que
significaria “Sr. Hiram”, entendendo assim se tratar da mesma pessoa.
Importante
registrar que esse não era o entendimento inicial dos maçons adonhiramitas, que
compreendiam que Adonhiram e Hiram eram personagens distintos, mas defendiam a
teoria de que Adonhiram era o responsável pela construção do Templo. Mackey
declarou que isso se deveu pelos ritualistas franceses criadores do rito não
serem versados no conteúdo bíblico, tendo confundido o papel dos personagens.[1] Esse problema do desenvolvimento dos ritos latinos já foi
abordado nesta obra, e concordamos com Mackey nesse ponto. Mackey ainda aponta
os escritos de Guillemain de St. Victor (1786, p. 77-78 apud MACKEY,
1914, p.20), um dos principais nomes do Rito Adonhiramita, que declarou:
Todos nós
concordamos que o grau de Mestre é baseado no arquiteto do Templo. Agora, as
Escrituras dizem, de forma muito clara, no 14º versículo do 5º capítulo do 3º
Livro de Reis, que a pessoa foi Adonhiram. Josephus e todos os escritores
sagrados dizem a mesma coisa, e, sem dúvida, distinguem ele de Hiram de Tiro, o
artífice dos metais. De modo que é Adonhiram então quem somos obrigados a
honrar.
Sobre a
tentativa de “hiramizar” Adonhiram, temos que considerar que nomes próprios são
nomes próprios. Não entendo por correto utilizar um acrônimo de um nome sagrado
de Deus para dizer que “Adonhiram” é “Adon + Hiram”, que significaria “Lorde
Hiram”. É como pegar “Donald” e dizer que é “Don + Ald”, que significaria “Dom
Ald” ou “Lorde Ald”. Adonhiram é um nome próprio. Moisés não é “Monsenhor
Isés”. Isaac não é “Ilustre Saac”. Abraão não é “Abade Raão”. Salomão não é
“Santo Lomão”. E Adonhiram não é “Lorde Hiram”.
Ainda sobre o
Rito Adonhiramita, o qual tem origem francesa, sabe-se que, tendo por um dos
principais motivos as duras críticas das quais o rito era alvo, o Rito Francês
ou Moderno surgiu na França para substituí-lo, e isso foi devidamente feito. Em
outras palavras, o Rito Moderno foi considerado pelos franceses como uma
evolução, em detrimento do Rito Adonhiramita, o qual foi descontinuado na
época. Nada impede de uma Obediência discordar dos franceses e adotar o Rito
Adonhiramita. Porém, um maçom praticar o Rito Adonhiramita, extremamente
místico, e praticar ao mesmo tempo o Rito Moderno, o qual veio substituí-lo,
com a proposta oposta, de desmistificar, é incoerente. Uma incoerência
histórica e filosófica.
O próprio Rito
Moderno também tem seus conflitos. Em 1817, quando passou pela reforma
doutrinária no Grande Oriente da França, o qual suprimiu a obrigação da crença
num Ser Supremo, a reação da Grande Loja Unida da Inglaterra foi rápida e
drástica, declarando a irregularidade daquela Obediência, rompimento que dura
até os dias de hoje. Considerar a decisão do Grande Oriente da França como
justa é considerar a decisão da Grande Loja Unida da Inglaterra como injusta,
ou o contrário. Tendo o Rito Moderno como símbolo da maçonaria francesa
adogmática e o Ritual de Emulação como símbolo da maçonaria inglesa teísta, é
evidente que seus princípios são conflitantes. Praticar ambos também o é.
Outra clara
incoerência é adotar o Rito Escocês Retificado – RER e adotar o Rito Escocês
Antigo e Aceito – REAA. O RER foi uma iniciativa de Jean Baptiste de Willermoz
com o propósito de “retificar” a Maçonaria chamada “Escocesa”, na época o Rito
da Estrita Observância e, em especial, o Rito de Heredom, cujos 25 graus
serviram de base para o REAA. Willermoz foi explicitamente contra os graus “de
vingança” presentes no Rito de Heredom, os quais permaneceram no REAA.
Ainda, podemos
recordar aos Irmãos que o Rito Schröder, criado por Ludwig Friedrich Schröder,
rejeita todo tipo de esoterismo e Altos Graus na Maçonaria. Um irmão que opta
por ser adepto desse rito não deveria ingressar em qualquer Alto Grau de rito
algum da Maçonaria.
Assim, uma mesma
Obediência abrigar Adonhiramita com Moderno, Moderno com Emulação, RER com
REAA, ou Schröder com outros ritos pode ser justificado como resultado de
decisões condescendentes de seus dirigentes ao longo da história, fruto daquele
desejo de agradar a todos, e revestido pelo conceito de “Colégio de Ritos”. Por
outro lado, os maçons, esses sim não podem ignorar completamente as histórias e
filosofia própria de cada rito, praticando-os de forma ignóbil e superficial,
desconsiderando seus princípios e suas histórias em nome de uma visão
pseudo-holística, praticando simultaneamente ritos e rituais originalmente
conflitantes.
Nenhuma desculpa
histórica local ou fraterna justifica incoerências lógicas. Também não se está
discutindo aqui o poder e querer, a legalidade ou a regularidade. Apenas
deve-se levar em consideração que, sendo a Maçonaria uma organização baseada na
Razão, não é isso que muitas vezes seus adeptos têm refletido. Cada maçom,
sendo homem livre e dotado de razão, tem a capacidade de ser coerente em suas
escolhas e atos, em vez de querer agradar a todos ou mesmo seu próprio ego.
É como praticar
diversas religiões, em especial as que se contradizem mutuamente, como as de
uma única vida terrena com as reencarnatórias, ou o judaísmo com o
cristianismo, por exemplo. Você pode ser adepto de uma e conviver
fraternalmente com os adeptos de outras, e até mesmo visitar cerimônias
religiosas dessas, respeitando-as. No entanto, ser adepto de duas ou mais
contraditórias é logicamente impossível. Na Maçonaria também.
Por fim, antes
que alguém diga que tudo é Maçonaria, tudo é lindo, e são apenas caminhos
diferentes que levam ao mesmo lugar, devemos mostrar também a imensa
incoerência de tal justificativa: se assim for, sejam coerentes com tal
pensamento e aceitem todas as centenas de Ritos e Obediências que existem por
aí como regulares, pois “é tudo Maçonaria”. Caso contrário, usem a peneira de
suas consciências corretamente, sem relativismo, inclusive nos Ritos.
[1] MACKEY, A. G. Adonhiramite Masonry. In: An
Encyclopedia of Freemasonry and tis Kindred Sciences. New York e Londres:
The Masonic History Company, 1914, p. 19.
Fonte: No
Esquadro
Extraído de: http://omalhete.blogspot.com.br/2016/05/coerencia-maconica-entre-ritos.html - Acesso em: 251553MAI2016.